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Procedimentos Licitatórios

A aplicação do reequilíbrio econômico-financeiro à ata de registro de preços

By May 27, 2023No Comments

Ata de registro de preços

A Lei n. 14.133/2021, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, prevê uma série de procedimentos que podem ser utilizados pela Administração para auxiliar o procedimento licitatório ou mesmo vir a substituí-lo. Entre eles está o sistema de registros de preços.

O sistema é definido como o “[…] conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras” (inc. XLV do art. 6º). 

O que é o sistema de registro de preços?

Em linhas gerais, se trata de um procedimento empregado para compras reiteradas de determinados bens ou serviços, quando a quantidade necessária desses bens ou serviços não é exata. 

Nesse contexto, o sistema de registro de preços autoriza que a Administração realize diversas contratações concomitantes ou sucessivas sem precisar instaurar um procedimento licitatório para cada item, trazendo mais agilidade e evitando a formação de um estoque muitas vezes desnecessário, especialmente em se tratando de bens perecíveis. 

O que é a ata de registro de preços?

A ata de registro de preços é o produto do sistema de registro de preços. 

É um “[…] documento vinculativo e obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, no qual são registrados o objeto, os preços, os fornecedores, os órgãos participantes e as condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no edital da licitação, no aviso ou instrumento de contratação direta e nas propostas apresentadas” (inc. XLVI do art. 6º da Lei de Licitações). 

Nos termos do art. 83 da Lei de Licitações, a ata de registro de preço implica em um compromisso de fornecimento dos produtos registrados nas condições estabelecidas, mas não gera um dever de contratação. 

Por isso, a Administração pode, inclusive, realizar licitação específica para a aquisição de produtos já registrados em ata, desde que apresente motivação idônea para tanto. 

Importante mencionar, ainda, que o prazo de vigência da ata é de 01 ano, prorrogável por igual período se comprovado o preço vantajoso para a Administração (art. 84 da Lei).

Agora, sendo o prazo de vigência da ata de até 02 anos, estaria o fornecedor obrigado a manter intactos os preços registrados durante todo o período? 

Em outras palavras, se durante a vigência da ata de registro de preços ocorrer evento que impacte no preço dos produtos registrados, é possível que seja procedido ao seu reequilíbrio econômico-financeiro? 

A ata de registro de preços e o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato

O pedido de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato é motivado pela ocorrência de “[…] caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato” (art. 124, inc. II, d). 

Se aplica ao caso a teoria da imprevisão, que reconhece que determinados eventos ocorridos sem culpa das partes podem vir a alterar o equilíbrio econômico-financeiro originalmente pactuado. 

Em tais casos, imperioso se faz o reequilíbrio contratual em favor da parte financeiramente prejudicada, de forma a se manter a estabilidade na relação entre as obrigações do contratado perante o Estado e a sua justa retribuição. 

São situações que se enquadram na teoria da imprevisão

  • força maior e caso fortuito, casos em que, por ação de terceiros ou fato da natureza, ocorre uma alteração substancial na execução do contrato. Por exemplo: o estouro repentino de uma guerra que acaba por aumentar o preço global de diversos bens e produtos e/ou valorizar/desvalorizar determinadas moedas. Nesse caso, existiria um desequilíbrio econômico-financeiro desproporcional se o contratado fosse obrigado a arcar integralmente com os custos adicionais necessários para a regular execução do contrato;
  • fato do príncipe, que se configura quando um ato do Poder Público, ainda que não diretamente relacionado ao contrato, o afeta de modo relevante. Por exemplo: é contratada uma empresa para fornecer o transporte público na cidade e, após a contratualização, o Município edita uma lei garantindo passe livre a todos os indivíduos menores de 18 anos – no cálculo da tarifa ofertada pelo particular foram incluídos os valores a serem pagos pelos indivíduos dessa faixa etária, de modo que a repentina gratuidade impacta na remuneração a ser percebida pelo licitante; 
  • fato da Administração, que ocorre quando uma atuação estatal específica incide diretamente sobre o contrato, inviabilizando a sua execução nos termos inicialmente pactuados. Por exemplo: há a contratação de uma empresa para a construção de determinada obra que depende de prévia desapropriação e essa desapropriação é negada pelo Estado; 
  • interferências imprevisíveis ou previsíveis de efeitos imensuráveis, hipótese em que fatos existentes na época da contratação, mas desconhecidos em sua especificidade pelas partes, inviabilizam a execução do contrato. Por exemplo: o terreno a ser utilizado para a realização de determinada obra é pantanoso e o contratado não tinha conhecimento dessa situação.

A questão, então, é saber se o instituto do reequilíbrio pode ser aplicado à ata de registro de preços. 

O reequilíbrio econômico-financeiro pode ser aplicado à ata de registro de preços?

De acordo com o Decreto nº 7.892/2013, que regula o sistema de registro de preços, é possível a atualização dos preços registrados em ata quando constatado que evento superveniente e sem culpa das partes tenha os impactado, seja para minorar ou para majorar os valores registrados (art. 17). 

Não se trata, contudo, de um direito do licitante, mas de uma mera faculdade da Administração, que pode conceder ou não o ajuste

Com efeito, nos termos do Decreto, existe uma diferença entre o pedido de reequilíbrio de um contrato administrativo tradicional (regulado pela Lei de Licitações) e o pedido de reequilíbrio da ata de registro de preços, e isso porque, nesse último caso, é sempre possível a liberação do fornecedor do compromisso assumido. 

Vejamos:

  • quando, por motivo superveniente, os preços registrados se tornarem superiores aos preços praticados no mercado, deve o órgão gerenciador convocar os fornecedores para fins de renegociação, sendo que aqueles que não aceitarem reduzir os seus preços serão liberados do compromisso assumido – art. 18; 
  • por outro lado, quando for o caso de defasagem dos preços registrados com relação aos preços praticados no mercado, não há o que se falar obrigação de reequilíbrio, sendo possível a liberação dos fornecedores que não tiverem condições de cumprir com suas obrigações nos termos inicialmente previstos (art. 19);
  • em qualquer caso, não havendo êxito nas negociações, a medida que se impõe é a revogação da ata de registro de preços (parágrafo único do art. 19).

A redação do Decreto é confusa, mas uma interpretação sistemática de seus artigos 17, 18 e 19 nos leva à seguinte conclusão: é possível a atualização dos valores previstos na ata de registro de preços, seja para minorá-los ou majorá-los (art. 17)

Contudo, enquanto no primeiro caso (redução dos preços) esse ajuste é obrigatório, sob pena de revogação da ata (art. 18), no segundo caso (aumento dos preços) ele é facultativo, e isso porque pode a Administração liberar o fornecedor de seus compromissos (art. 19).

Interpretações quanto à possibilidade de aplicação do reequilíbrio econômico-financeiro à ata de registro de preços

Não faz sentido pois, como fazem alguns a partir de uma leitura isolada e equivocada do art. 19 do Decreto, defender não ser possível a aplicação do reequilíbrio econômico-financeiro ao sistema de registro de preços

O art. 17 do mesmo decreto é claro ao estabelecer que os preços registrados em ata poderão ser revistos em decorrência de eventual redução dos preços praticados no mercado ou de fato que eleve o custo dos serviços ou bens registrados. 

O art. 19 deve ser lido, nesse sentido, como uma alternativa ao art. 17, no sentido de que pode a Administração ou proceder ao ajuste dos preços através de negociação com os fornecedores (art. 17) ou proceder à liberação dos fornecedores de seus compromissos (art. 19).

Qualquer leitura diferente acarretará na inconstitucionalidade do decreto por extrapolação dos limites do poder regulamentar, e isso por um motivo muito simples: tanto a antiga quanto a nova Lei de Licitações estabelecem a necessidade de serem fixadas condições para a alteração/atualização dos preços registrados na ata – art. 15, § 3º, inc. II, da Lei nº 8.666/1993 e art. 82, inc. VI e § 5º, inc. IV, da Lei nº 14.133/2021. 

E se nenhuma delas restringe a necessidade de atualização dos preços aos casos em que eles se tornarem superiores aos preços praticados no mercado, muito menos o decreto poderia fazê-lo. 

Trata-se, em verdade, de criação de uma exceção rigorosa e que não encontra amparo na lei, afinal, parece óbvio que o art. 19 do Decreto não fixa condições para a atualização dos preços registrados, mas tão somente prevê mecanismo que libera o fornecedor do compromisso, o que é coisa bem diferente. 

Embora o entendimento aqui defendido não seja unânime, o Tribunal de Contas da União, no julgamento do proc. nº 026.754/2009-8 (acórdão nº 25/2010 – Plenário), se manifestou no mesmo sentido. 

Embora o Tribunal não tenha se pronunciado diretamente quanto a possibilidade de reequilíbrio econômico-financeiro dos preços registrados em ata, demonstrou ser esse o seu entendimento quando enumerou os pressupostos necessários para a concessão do direito previsto ao reequilíbrio, destacando, entre eles, a necessidade de ocorrência de evento posterior à assinatura da ata de registro de preços.

Em resumo, o Decreto nº 7.892/2013 não veda a revisão dos preços registrados caso ocorra posteriormente à assinatura do ata evento superveniente autorizador do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato – embora a ata de registro de preços não seja propriamente um contrato, é o art. 17 do Decreto que estabelece que a ela se aplicam as disposições referentes ao instituto do reequilíbrio. 

O art. 19 deve ser lido como uma alternativa ao ajuste dos preços. Dada a peculiaridade que envolve o sistema de registro de preços, cuja ata não cria uma obrigação de contratação por parte da Administração, esta pode, caso perceba não ser vantajosa a atualização dos preços registrados, liberar o particular do compromisso assumido. 

É de se notar, ainda, que nem sequer faz sentido defender a necessidade de revogação da ata de registro de preços sempre que for necessária a majoração dos preços nela contida. 

Basta lembrar que a revogação da ata implica na realização de uma nova licitação que, porém, está fadada a registrar os mesmos preços que seriam obtidos com o reequilíbrio da ata, afinal, os preços de mercado aumentaram e as propostas dos novos licitantes estarão neles baseados. 

Ou seja, a lógica é que os preços obtidos com a atualização da ata sejam os mesmos obtidos com a realização de uma nova licitação. Por que, então, negar por completo a possibilidade de reequilíbrio? Trata-se de entendimento contraproducente e que viola um dos princípios mais básicos da licitação: o da eficiência.

Conclusão

Para finalizar: não é preciso muito para se concluir pela possibilidade de reequilíbrio econômico-financeiro da ata de registro de preços, seja para minorá-los ou para majorá-los

Uma leitura sistemática dos arts. 17 e 19 do Decreto nº 7.892/2013 é suficiente para resolver a questão. 

A diferença é: no primeiro caso (redução), o ajuste é obrigatório, afinal, se a ata não gera uma obrigação de contratação não tem porquê a Administração permanecer vinculada a um documento que prevê preços superiores aos praticados no mercado; no segundo caso (aumento), trata-se de uma faculdade. 

Sopesando as vantagens e as desvantagens de cada medida — e principalmente levando em consideração que muito provavelmente os preços obtidos com a atualização da ata serão os mesmos obtidos com a realização de uma nova licitação —, cabe à Administração decidir se ajusta os preços ou libera o particular dos compromissos assumidos.