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É possível a aplicação subsidiária da nova Lei de Licitações às empresas estatais? Entenda a discussão!

By January 9, 2023April 13th, 2023No Comments

Nos termos do § 1º do art. 1º da Lei n. 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações), as normas ali previstas não se aplicam às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às suas subsidiárias, que são regidas pela Lei n. 13.306/2016 (Lei das Estatais).

O objetivo deste texto é compreender o alcance e sentido desse dispositivo, de modo a responder a uma pergunta específica: ele veda a aplicação subsidiária da Lei de Licitações às empresas estatais? A resposta parece ser positiva, mas em termos.

Como funciona a aplicação da Lei nas estatais?

Inicialmente, é importante ter claro que a necessidade de edição de lei específica para tratar do regime jurídico das empresas estatais é imposição constitucional (§ 1º do art. 173). Essa exigência, por sua vez, tem por fundamento o fato de que as normas de licitação contidas na Lei Geral são dotadas de rigidez incompatível com a atividade empresarial exercida pelas empresas estatais.

Em outras palavras, o regime jurídico das sociedades estatais precisa ser (e de fato é) mais leve e flexível do que o adotado para as entidades administrativas de direito público, sob pena de restar inviabilizada a sua competição com as sociedades privadas.

Com efeito, a exploração empresarial inerente às atividades desenvolvidas pelas empresas estatais exige um regime jurídico flexível, capaz de colocar essas sociedades em condições nas quais sejam capazes de competir com as empresas privadas no mercado nacional, daí porque existe até mesmo o dever de cada empresa, à luz das particularidades de sua atuação, editar seus próprios regulamentos de licitações e contratos (art. 40).

Nesse sentido, as soluções explicitadas na Lei nº 13.303/2016 derrogam as normas gerais de licitação porque ocupam um espaço constitucionalmente autônomo. O caráter de especialidade da Lei das Estatais interdita, em regra, a invocação de soluções analógicas em outras legislações, de modo que é inadequado pretender uma regência supletiva imediata da Lei de Licitações para as estatais, sob pena de se negar a sua autonomia, contrariando, via de consequência, o texto constitucional.

O que muda com a nova Lei de Licitações?

Nesse contexto, e sob a égide da Lei n. 8.666/1993, foi aprovado na I Jornada de Direito Administrativo organizada pelo Conselho Nacional de Justiça o Enunciado n. 17, com o seguinte teor: “Os contratos celebrados pelas empresas estatais, regidos pela Lei nº 13.303/2016, não possuem aplicação subsidiária da Lei nº 8.666/1993. Em casos de lacuna contratual, aplicam-se as disposições daquela Lei e as regras e os princípios de direito privado”.

No mesmo sentido se posicionou o Plenário do TCU no Acórdão 739/2020: “Não se aplica subsidiariamente a Lei 8.666/1993 a eventuais lacunas da Lei 13.303/2016 [Lei das Estatais], exceto nas hipóteses nela expressamente previstas (arts. 41 e 55, III), sob pena de violação aos arts. 22, XXVII, e 173, §1°, III, da Constituição Federal”.

Com efeito, se sob a égide da antiga lei o entendimento dominante, tanto doutrinária quanto jurisprudencialmente, era o da impossibilidade de aplicação subsidiária da Lei Geral de Licitações às empresas estatais, esse entendimento ganhou ainda mais substrato com o advento da Nova Lei de Licitaçõesque, como já visto, prevê expressamente que suas normas não regem as empresas estatais, sejam elas prestadoras de serviços públicos ou exploradoras de atividade econômica.

Isso, por outro lado, não significa que a aplicação subsidiária se encontra vedada em todo e qualquer caso, até mesmo porque, como já visto, em certos casos é a própria legislação que determina essa aplicação.

A Nova Lei de Licitações prevê a aplicação às estatais das normas penais previstas no art. 178. Além disso, a própria Lei das Estatais estabelece algumas remissões à Lei de Geral de Licitações, a exemplo do inc. III do art. 55, segundo o qual se aplicam aos procedimentos licitatórios instaurados pelas empresas estatais os critérios de desempate previstos na Lei n. 8.666/1993.

Outro exemplo é o art. 32, que determina que para a aquisição de bens e serviços comuns, as estatais devem se utilizar preferencialmente de pregão, com a observância do rito estabelecido na Lei n. 10.520/2002. E como a Lei n. 14.133/2021 revogará a Lei do Pregão decorridos dois anos de sua publicação, a consequência é que o regime a ser aplicado a essas licitações será o previsto na Nova Lei de Licitações — não mais o da Lei do Pregão.

A nova Lei de Licitações se aplica às estatais?

Não podemos desconsiderar, ainda, que embora a aplicação subsidiária fora das hipóteses expressamente previstas em lei esteja vedada, nada impede a aplicação às estatais de entendimentos construídos pela doutrina e pela jurisprudência à luz da Lei Geral de Licitação, haja vista que, embora se tratem de regimes jurídicos distintos (Lei das Estatais e Lei de Licitações), em muitos pontos há a utilização compartilhada dos mesmos conceitos e institutos.

Além disso, nos parece que esse entendimento de que somente é permitida a aplicação subsidiária da Lei Geral de Licitações às empresas estatais quando expressamente previsto na Lei das Estatais é restritivo demais e joga contra a própria efetividade da lei.

Por isso, entendemos ser possível a invocação da Lei n. 14.133/2021 para trazer soluções a temas que deveriam ter sido disciplinados para as estatais e não o foram. Isso somente não pode ser feito de forma automática. É preciso que essa aplicação supletiva esteja prevista em regulamentos ou mesmo no edital de licitação.

Exemplo: a Lei das Estatais, ao disciplinar os requisitos de habilitação, não previu a necessidade de demonstração da regularidade fiscal e trabalhista do licitante, exigência essa prevista na Lei de Licitações (inc. III do art. 62). Isso quer dizer que não é possível exigir essa demonstração nos procedimentos instaurados pelas estatais? A resposta é evidentemente negativa, sendo perfeitamente possível a aplicação por analogia da Lei de Licitações, desde que assim esteja previsto em regramento específico.

E mais: é preciso que a lacuna ou omissão a autorizar a aplicação supletiva da Lei n. 14.133/2021 seja analisada à luz da Lei das Estatais, e não à luz da Lei Geral de Licitações; é necessário que a lacuna ou omissão seja verificada levando-se em conta as premissas da própria Lei das Estatais, jamais com base na racionalidade da Lei n. 14.133/2021, até mesmo porque a razão de ser da Lei das Estatais está na criação de um procedimento licitatório mais leve, o que implica a ausência de diversas regulamentações presentes na Lei Geral. Nesse sentido, a ausência de determinada norma pode ser daqueles silêncios eloquentes e cheios de sentido, que desautorizam que se fale em lacunas ou aplicação supletiva.

Conclusão

Em uma palavra final, entendemos que a Lei de Licitações, para além das hipóteses previstas em lei e no que toca a entendimentos jurisprudenciais acerca institutos de uso compartilhado entre as leis, poderá ser aplicada subsidiariamente à Lei nº 13.303/2016 no caso de esta não conter padrões de atuação que sejam necessários para sua efetividade, mas isso jamais pode acontecer de forma automática, sem previsão expressa em texto ou ato normativo editado pela Administração.

Escrito por

Bernardo Strobel Guimarães

Caio Augusto Nazário de Souza

Flávia Smolka Santana

Notas

[1]   Com exceção ao art. 178, que trata das sanções penais aplicáveis.

[2]  Nesse sentido foi a decisão TCU no Acórdão 2059/2020, julgado pelo Plenário, onde se aplicou, a uma empresa estatal, entendimento firmado pelo Tribunal à luz da Lei n. 8.666/93.