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Entenda como funciona o novo mercado brasileiro de créditos e ativos judiciais

By September 15, 2022April 17th, 2023No Comments
Por Bernardo Strobel Guimarães, Jordão Violin e Luis Henrique Braga Madalena.

O mercado de ativos e crédito judicial no Brasil vem crescendo rapidamente [1]. Existem hoje empresas e fundos de investimento especializados, nacionais e internacionais, atuando ativamente no país.

Como funciona a cessão de crédito judicial?

Prática comum em países como Inglaterra e Estados Unidos, o financiamento de demandas judiciais por terceiros [2] (Third Party Funding) se dá através de duas modalidades principais:

  • Na primeira, o terceiro arca com todas as custas processuais em troca de ser recompensado ao final, caso haja sucesso. Via de regra, essa recompensa envolve o reembolso dos valores que foram gastos com as custas do processo e o recebimento de parte do que foi ganho ao final do processo.
  • A outra modalidade envolve a própria aquisição do direito em litígio, isto é, o terceiro não se limitará a arcar com as custas, mas assumirá ele mesmo os riscos envolvidos na condução do processo.

A grande diferença entre as modalidades é que, nesse último caso, o acordo entre as partes envolve não apenas o financiamento da demanda, mas a cessão da própria pretensão creditória em disputa.

Apesar dessas diferenças, há um traço fundamental em ambas as modalidades: se a parte é derrotada, o financiador perde o investimento; se a parte vence, partilha o resultado com o financiador nos termos ajustados no contrato firmado entre eles.

O mercado de ativos judiciais no Brasil

Por ser um tema novo e em grande medida inexplorado, o Brasil ainda é um ambiente muito mais receptivo a esse mercado do que países em que uma série de restrições já foram impostas.

Como a legislação brasileira não cria limitações à circulação e financiamento de ativos judiciais, as partes (parte do processo e terceiro investidor) são livres para acordar o financiamento ou a cessão do crédito.

A isso soma-se, ainda, o número significativo de processos em tramitação, muitos deles envolvendo valores multimilionários e em cujo pólo passivo figura o Estado – que, embora historicamente lento, é um pagador sempre solvente.

Mas a ausência de regulação não traz somente aspectos positivos, mas também negativos, em especial relacionados à insegurança jurídica. Se é bem verdade que não há proibição da prática do Brasil, também é verdade que inúmeros aspectos relacionados ao adequado funcionamento da cessão não possuem qualquer regramento.

Por exemplo: quem pode ser financiador? Há causas de impedimento e suspeição? Em que medida o financiador pode influenciar a condução da causa? O financiador pode praticar atos processuais? Ele pode ser condenado no processo ao pagamento de custas à parte contrária? Há necessidade de se informar em juízo a existência desse financiamento? Essas perguntas são essenciais para a viabilidade da cessão de créditos e ativos judiciais e não encontram uma resposta clara na legislação.

Qual é a responsabilidade judicial do financiador?

Com efeito, a responsabilidade judicial do financiador ainda carece de maior reflexão, em especial na eventualidade de conduta desleal ou de abuso de direito. Nesse sentido, de acordo com o art. 77 do Código de Processo Civil, os deveres de boa-fé, colaboração e eficiência se aplicam não só para as partes, mas para todos aqueles que participam do processo de alguma forma, o que indica existir a possibilidade de condenação do financiador ao pagamento de multa a título de má-fé.

Agora, qual deve ser a atuação do financiador para que ele de alguma forma concorra para a prática de ato desleal que enseja o pagamento de multa? O mero fato de ele financiar o particular, sem qualquer interferência adicional nos atos do processo, é suficiente para que ele seja considerado um partícipe do processo?

Enfim, ainda há muitas questões em aberto cuja definição é fundamental para a evolução do instituto no direito brasileiro.

Em que pese não ter recebido atenção da lei brasileira, no ambiente da arbitragem o tema tem sido constantemente debatido, existindo, inclusive, orientações regulando eventual conflito de interesses entre financiador e árbitros, assegurando um procedimento imparcial (a título de exemplo, ver a Resolução Administrativa n. 18/2016 do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá – CAM-CCBC).

Quais as principais vantagens do mercado de ativos e crédito judicial?

Quanto aos benefícios trazidos pela prática, vale destacar o seu potencial de ampliação do acesso à justiça não só a cidadãos hipossuficientes financeiramente, mas também a empresas com o risco de prejudicar a sua saúde financeira caso arque integralmente com os custos inerentes a demandas de valores expressivos e que podem ser acentuados em caso de derrota.

Além disso, o financiamento por um terceiro eleva a resistência da parte ao tempo do processo – afinal, financiadores são repeat players capazes de suportar uma demora que o litigante eventual não suporta. É possível, assim, que o financiamento seja utilizado para equalizar uma relação processual desigual.

Em suma, a ferramenta ajuda a aliviar a parte que, a despeito de dispor de recursos, objetiva gerir os riscos econômicos do litígio e compartilhá-los com um terceiro, se revelando assim, em última análise, como uma eficiente técnica de gestão de riscos.

A importância do contrato de cessão de crédito judicial

Ante o silêncio da legislação brasileira quanto ao tema, é fundamental que o contrato defina de forma clara os papéis de cada um e crie soluções para hipóteses de conflito.

Dizendo de outro modo, cumpre ao contrato disciplinar os diversos aspectos relativos à boa condução do financiamento, especialmente tendo em vista que embora o financiador não seja parte do processo, ele tem, assim como a parte, evidente interesse no sucesso da demanda.

E, diante desse duplo interesse, pode ser que em certos casos a estratégia de ambos para atingir o sucesso não seja a mesma, o que pode levar a atritos insolúveis caso não haja regramento regulando a questão.

Conclusão

Em uma palavra final, os acordos de financiamento de litígios ou cessão de crédito judicial têm se revelado uma oportunidade interessante para que indivíduos e, principalmente, empresas, possam gerir melhor seus processos e os riscos a eles relacionados.

Esses arranjos oferecem soluções pragmáticas a todas as partes envolvidas que podem fazer a diferença para a gestão empresarial.

 

Notas

[1] Em que pese não existirem estudos divulgando a quantidade de demandas financiadas no Judiciário, recente publicação abordou alguns casos em trâmite nas principais Câmara de Arbitragem do Brasil. Confira: https://drive.google.com/file/d/1BBwXRBZmadrrqjD6-L6Kje9gJJRKvKBf/view.

[2] Em alguma medida, os advogados sempre atuaram como uma espécie de financiador da demanda, haja vista os frequentes contratos de honorários de êxito – isto é, o advogado só recebe caso a parte se sagre vencedora do processo. A grande diferença, contudo, é que o financiamento realizado pelos fundos de investimento cobre todas as despesas processuais, ao passo que o advogado arca somente com os custos de seu trabalho e de sua estrutura profissional.

 

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