A Prefeitura do Rio de Janeiro ocupou as instalações da concessionária que opera a Linha Amarela. A medida teria sido autorizada por um ato publicado em edição extra do diário oficial, numa sexta-feira véspera de feriado. No domingo à noite, a medida foi implementada, suspendendo-se a cobrança das tarifas. Como se vê nas imagens, houve inutilização imediata das cabines. Até retroescavadeiras foram usadas para impossibilitar a retomada imediata da operação.
Como sabem até as pedras, medidas dessa natureza têm por objetivo imediato gerar um fato político. A publicação de um ato a sexta e o seu cumprimento no domingo, véspera de feriado, demonstra o claro intuito de suprimir o direito de recorrer ao Judiciário. A inutilização das cabines vai na mesma linha: impossibilitar a retomada da cobrança em caso de ordem judicial. A urgência é denotativo de evidente desvio de função.
Esse tipo de procedimento representa um modo primitivo de encarar as relações contratuais entre Estado e particulares. Aquele em que o Estado tem prerrogativas para implementar medidas arbitrárias, a título de proteger o interesse público. Nossa legislação regula com minúcias a necessidade de devido processo legal e exige que medidas de intervenção sejam precedidas de procedimentos adequados. Nada que se compare a patrolas na madrugada. Mas há os que teimam e achar que vale tudo pra garantir a fluída supremacia do interesse público sobre o particular.
No médio prazo, esses arroubos tendem a ser neutralizados pelo Judiciário. Essas medidas de força costumam ter vida efêmera. Há contratos. Há direitos. Há leis. Uma vez cassadas, quem a adotou a medida poderá sempre alegar ser vítima do sistema, que o impede de fazer justiça. Balela. Mas há quem compre o discurso de que exigir o cumprimento da lei é um obstáculo.
O que pouca gente percebe são es efeitos dessas medidas. Depois da euforia vem a ressaca. Primeiro, porque os prejuízos causados serão suportados pelos próprios usuários. Essa ideia meio Robin Hood de que dá pra desaparecer com as tarifas não existe. O que há é que o dinheiro suprimido do fluxo de caixa hoje será reposto, devidamente remunerado pela taxa prevista contratualmente, No fundo essas medidas demagógicas em matéria de tarifa equivalem a operações de crédito num juro alto. Elas só são feitas porque quem paga a conta é o usuário. Aliás, é espantoso que isso escape aos órgãos de controle, sempre muito atentos à improbidade administrativa.
Mais isso nem é o mais grave. O grave é que essas quebras de contrato geram efeitos sistêmicos. Cada vez que isso acontece o investidor aprende que as regras podem ser quebradas. E isso aumenta o custo dos negócios. Isso torna os serviços mais caros. Isso prejudica o usuário que paga tarifas altas e, mais ainda, aquele que nem sequer têm acesso imediato ao serviço, dependendo da sua expansão. Num país que há carestia de investimentos no setor de infraestrutura, medidas como essas deveriam ser objeto de repulsa, e não de aplauso.
Enquanto aplaudirmos essas medidas demagógicas, e não entendermos que segurança jurídica e devido processo são valores básicos para investimentos sadios, estaremos fadados a ser aquele país que se lamenta por ser sempre uma promessa e nunca uma realidade.